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Juiz Paulo Marcos Vieira defende Plebiscito para decidir sobre a Redução da Maioridade Pena

Redução da Maioridade Penal - * Paulo Marcos Vieira

Desta vez, projeto do Senador Aloysio Nunes Ferreira, que a meu ver atendia aos interesses da sociedade, foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Por ela, seria permitida a redução, em determinadas circunstâncias, da maioridade penal para 16 anos.

Pessoalmente, entendo que a proposta poderia ser até mais abrangente, já que aludida redução somente caberia nos casos de crimes hediondos, tráfico com uso de violência e reincidência em crimes violentos.

Comenta-se, que a rejeição se deu por motivos políticos, já que o presidente da CCJ e seu partido, o PMDB, estariam insatisfeitos com a presidente Dilma pela reforma ministerial. Pesquisas de opiniões, contudo, têm indicado uma maioria da população favorável à mudança.

No contexto atual, com menores podendo votar, casar e pretendendo tirar habilitação para dirigir, pretensão com qual sou favorável, não vejo o porque não serem penalmente irresponsáveis. Sei, entretanto, que a simples redução não será a solução de todos os males, pois outras medidas devem ser tomadas, e com urgência.

São vários os problemas que afetam as crianças e os adolescentes, impulsionando-os para condutas criminosas. Inicia-se por questões familiares, já que lares deformados são principais motivos deles serem "jogados para as ruas" onde vão delinquir, até para sobreviver.

Também, a falta de maiores condições de diversões às crianças e adolescentes das camadas mais carentes, razão inclusive da criação dos "rolezinhos", sem se falar da baixa qualidade do ensino público, são outras razões da criminalidade dos menores.

Por tudo isso, dada sua grande relevância, deve a questão não ser resolvida apenas pelos políticos ou juristas, mas diretamente pelo povo, através de plebiscito.

* Paulo Marcos Vieira é juiz da 2a. Vara Cível de São José do Rio Preto

Publicado originalmente no Jornal Bom Dia Rio Preto (pág. 4 - Edição de 25/02/2014)



MAIORIDADE PENAL NÃO É CLÁUSULA PÉTREA

A redução do termo inicial da maioridade penal de 18 para 16 ou 14 anos seria plenamente constitucional.


*Ricardo Resende

Sabe-se que somente os jovens que cometeram atos infracionais graves (como homicídios e roubos, estupros, latrocínios, sequestros e tráfico de drogas) são encaminhados para internação na Fundação Casa, ainda assim por no máximo três anos, o que raramente ocorre, pois no primeiro laudo após 6 meses são devolvidos às ruas, enquanto aos demais são aplicadas medidas tais como prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, etc. Ademais, a legislação poderia perfeitamente prever estabelecimentos diferenciados para cumprimento de pena para o adolescente, não segregando-o com presos de maior periculosidade.

Para operar-se a redução da maioridade penal é necessária Emenda à Constituição, pois como referido, o artigo 228 da Carta Magna prescreve serem inimputáveis os menores de 18 anos. 

Posição de Cláudio da Silva Leiria, dizendo que, mesmo que fosse cláusula pétrea, a imputabilidade penal aos 18 anos, poderia ser alterada, “pois essa espécie de cláusula não poderia vincular indefinidamente as gerações futuras”, alegando ad argumentadum tantum, no entanto, para isto, caberia discutir a questão com a sociedade através de plebiscito ou referendo.

O eminente jurista GUILHERME DE SOUZA NUCCI defende a possibilidade de emenda constitucional para redução da maioridade penal, afirmando que há '‘uma tendência mundial na redução da maioridade penal, pois não mais é crível que os menores, por exemplo, não tenham condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida’, finalizando com a afirmação de que não podemos concordar com a tese de que há direitos e garantias fundamentais do homem soltos em outros trechos da Carta, por isso também cláusulas pétreas, inseridas na impossibilidade de emenda prevista no artigo 60, § 4º, IV, CF...(Código Penal Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 109). 

Não há se falar em cláusula pétrea, pois na apreciação do resultado da interpretação, como adverte CARLOS MAXIMILIANO: “Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo,prescreve inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis” (Interpretação e aplicação do Direito,Forense, 19ª edição, 1995, p. 136). 

Ora, não se mostra minimamente razoável afirmar que o legislador constituinte quisesse ‘petrificar’ a idade de 18 anos como o marco inicial para a imputabilidade penal, já que estaria desconsiderando a evolução dos tempos em todos os aspectos sociais. Assim como a maioridade civil foi alterada em razão dos avanços sociais e tecnológicos da sociedade, a maioridade penal o pode ser. E mesmo que a garantia da maioridade penal aos 18 anos fosse cláusula pétrea, o que se diz ad argumentadum tantum , poderia ser alterada, pois essa espécie de cláusula não pode vincular indefinidamente as gerações futuras. 

Felizmente, os constitucionalistas começaram a perceber que não é correto uma Constituição, por meio das cláusulas pétreas, bloquear a capacidade de autodeterminação jurídica das gerações futuras, o que seria autêntico ato de abuso de poder constituinte. 

As cláusulas pétreas não podem ser instrumento de tirania de uma determinada geração sobre as gerações posteriores. O passado não pode engessar o presente e o futuro. A vontade da maioria, em um dado momento histórico, não pode ter a pretensão de guiar eternamente o agir das gerações seguintes. Note-se que as minorias de ontem podem tornar-se as maiorias do amanhã; inobstante, suas escolhas jamais poderiam prevalecer por terem sido barradas pelas cláusulas.

A preservação a todo custo das cláusulas pétreas é opção antidemocrática, pois impede que o povo (titular da soberania), diretamente ou por seus representantes, faça periodicamente as correções legislativas tão necessárias para a construção de uma sociedade mais justa. 

Ainda, há o perigo das cláusulas pétreas induzirem à abstração de outros valores protegidos constitucionalmente que, em determinado momento histórico, devem ter prevalência. O jurista Vanossi refere que as cláusulas pétreas são inúteis e até contraproducentes. 

A função essencial do poder reformador é a de evitar o surgimento de um poder constituinte revolucionário, mas, paradoxalmente, as cláusulas pétreas fazem desaparecer essa função. Isto porque transmutam-se em fatores de instabilização do sistema constitucional, passando a condensar os anseios pela ruptura da ordem jurídica, que se torna a ser a única alternativa para a derrubada de obstáculos normativos. A Constituição portuguesa de 1976 sofreu várias revisões, sendo despojada ao longo dos anos de muitos dos seus princípios socialistas, à exceção das cláusulas pétreas. No entanto, em certo momento, mesmo estas se tornaram incompatíveis com o momento histórico vivido e com o tratado de Maastrich. 

O constitucionalista Jorge Miranda forjou, então, a teoria da dupla revisão, pela qual podia alterar-se a cláusula que determina quais são as cláusulas pétreas, mas não a matéria. Dessa forma, primeiro muda-se a redação das cláusulas que estipulam as cláusulas pétreas(‘despetrificação’) e numa segunda revisão altera-se a matéria. 

A Constituição, no artigo 60, § 4º, inciso IV, dispõe que ‘não será objeto de deliberação proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais. A expressão ‘tendente a abolir’ deixa implícita a idéia de um conteúdo mínimo inalterável, o que, evidentemente, não se confunde com a eliminação completa dos direitos e garantias individuais. 

No entanto, reitere-se o óbvio: a maioridade penal é estabelecida por uma determinada política criminal, não se tratando de garantia individual, já que é fixada em atendimento às circunstâncias de tempo em que vivemos e dos valores reinantes na sociedade. De outra forma, teríamos que sustentar a sandice de que temos um jovem de 16 anos maduro, que pode casar, assumir encargos familiares, constituir e dirigir empresas transnacionais, contratar, assumir obrigações fiscais e trabalhistas e demais atos de exercício de mercancia, influir na vida política de seu país por meio do voto, mas que, coitado, não tem maturidade para saber que matar, roubar, furtar e estuprar é errado. Quem em sã consciência poderá sustentar isso? Não se ignora que uma das causas da delinqüência juvenil é a falta de políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente . Só que a sociedade não pode esperar indefinidamente que sejam implementadas as políticas públicas de emprego, educação, etc, que o país necessita. Ninguém duvida que tal implementação levaria décadas, e que os resultados positivos só seriam atingidos depois de mais outras décadas. Nesse interregno – de décadas -, a sociedade pacata e ordeira necessita de proteção contra os menores delinqüentes, especialmente em relação àqueles que praticam assassinatos, estupros e roubos. 

O problema deve ser enfrentado de duas formas: criando políticas sociais de trabalho, educação e emprego, sim, mas simultaneamente fazendo os jovens entre 16 e 18 anos responderem penalmente pelos seus atos. A sociedade não pode presenciar pacatamente o incremento da violência por parte de adolescentes,que praticam os crimes mais perversos e violentos e são submetidos apenas às debilitadas e tíbias normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, Diploma Legal que tem servido apenas de fomento à delinqüência juvenil 

Quando o Estado não impõe punição impessoal proporcional à conduta ilícita e aos danos causados às vítimas, estimula-se a vingança privada. É uma agressão para o cidadão pacato e ordeiro que as normas do ECA sejam tão benevolentes com o menores infratores, tratando-os como pobres vítimas de um sistema social injusto, ao invés de puni-los como predadores que são. Essa situação apenas corrói a legitimidade das autoridades e fomenta a criminalidade. 

Recentemente ocorreu a manifestação do ministro do Superior Tribunal de Justino Simone Marquesça (STJ) Teori Zavascki, de que a maioridade penal não é cláusula pétrea.

(*)Pesquisa:


RICARDO RESENDE é da coordenadoria da Campanha Nacional pela Redução da Maioridade Penal idealizada pelo deputado Campos Machado.


"PLEBISCITO É A SOLUÇÃO" - THIAGO FERRARI



A hipocrisia organizada evita debater a maioridade penal


Todo hipócrita é pusilâmine, e a hipocrisia vem contaminando a  política de segurança pública em nosso país.

Trata-se de um fenômeno que se desenvolve há décadas.

Dentre as obviedades “acacianas” que os pusilâmines utilizam para conferir lustro à sua hipocrisia, destaca-se a inimputabilidade penal do menor de 18 anos no Brasil.

Confrontados com índices desastrosos e crescentes de criminalidade urbana, hipócritas  de gravata ou tailleur escondem-se embaixo de suas mesas, coalhadas de estatísticas inúteis e relatórios enxertados de conceitos vetustos e frases ultrapassadas. Conduzem-se dessa forma reprovável para permanecerem fazendo o que melhor sabem fazer: absolutamente nada…

Ante a pressão social avassaladora pela modificação dos critérios de imputabilidade penal, face ao fato material incontestável, sociológico, antropológico e tecnológico, do amadurecimento precoce da periculosidade adolescente, burocratas de plantão se calam, apontando uma alegada “inconstitucionalidade” na justa pretensão popular de se alterar a regra de imputabilidade penal ao menor de 18 anos.

Eles estão enganados, quando não mentindo. Senão vejamos:

A origem do imbróglio com o fenômeno dos “trombadinhas”

Há trinta anos, no início da década de 1980, o Brasil enfrentou o surgimento da criminalidade infantil  em grande escala, nos grandes centros urbanos, na figura dos chamados “trombadinhas”.

Hordas de crianças e adolescentes, abandonadas intelectual e materialmente pelos pais, sem destino, sem rumo, sem casa, sem assistência, vagavam pelas ruas e praças do Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília, abordando incautos, idosos, pessoas inocentes, para deles roubar objetos comezinhos, dinheiro, ou joias, que vendiam em seguida para receptadores estabelecidos não muito longe dos pontos de ocorrência dos delitos.

O período do milagre econômico brasileiro havia acabado e a recessão dominava os grandes centros (para os que não viveram a época, é importante lembrar que a economia é cíclica e o que hoje parece confortável poderá deixar de sê-lo em seguida)…

Famílias de desempregados e subempregados engrossaram favelas e loteamentos clandestinos, ocupando fundos de vale, encostas de risco, morros, áreas periféricas e  zonas de mananciais de nossas metrópoles. O fato social, somado à enorme omissão dos governos de então, gerou nessas áreas uma cultura de vida marginal. Em fuga, crianças e adolescentes carentes ocupavam, literalmente, os centros urbanos, para neles viver parasitariamente.

Naquela época, os centros correcionais para menores de idade eram insanos. Nenhum governo possuía política de atendimento a crianças abandonadas, muito menos às crianças infratoras.

Me lembro dos jornais da época calcularem um número aproximado de 20 milhões de jovens carentes vivendo em condições difíceis no Brasil. Editoriais alertavam que, se não se tomasse alguma providência, teríamos 20 milhões de marginais nas ruas em um prazo de dez anos…

A sociedade, recém acordada do torpor desenvolvimentista da década passada – anos 70 – , testemunhou  nesse período, tragédias hoje impensáveis, como o recolhimento em massa de “trombadinhas” por policiais seguido de um “desterro” para cidade em outro estado (determinado por um secretário de segurança pública de triste memória). Avolumavam-se denúncias de convivência de crianças e adultos em  uma mesma carceragem. Espancamentos e torturas como método eram usualmente admitidos nos centros de detenção de menores. Foi um período marcado por chacinas contra menores de rua, programadas por forças de repressão – inclusive a mando de comerciantes.

A emenda popular na Assembleia Nacional Constituinte

Reagindo a  todo esse lamentável cenário, mais de 1,5 milhão de cidadãos subscreveram quatro emendas de iniciativa popular, propondo a inimputabilidade penal do menor de 18 anos, bem como a determinação para que houvesse lei que regulamentasse a tutela de crianças e adolescentes,  junto à Assembleia Nacional Constituinte.

De fato, foi uma reação emocional e de consciência, ocorrida num momento raro de nossa história, em que uma assembléia nacional trabalhava intensamente para produzir marco constitutivo da Nação, não raro visto por muitos como panaceia para todos os males…

As emendas populares foram, assim, aprovadas e remetidas à votação pelos constituintes, resultando nos artigos que integram o Capítulo da Família, da  Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, na Constituição Federal de 1988.

O artigo 228 da Constituição Federal não é cláusula pétrea

Fruto da mobilização popular, o artigo 228 da Constituição Federal estabelece que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial.”

A norma desenhou uma linha etária de corte para a imputabilidade penal.

Como se sabe, imputabilidade penal é a capacidade, absoluta ou relativamente atribuída a um indivíduo, na  hipótese deste praticar  ato definido como crime, de entender o que está fazendo e de poder determinar-se de acordo com esse entendimento, para fins da aplicação da sanção penal legalmente atribuída ao delito incorrido.

A imputabilidade penal, estabelecida constitucionalmente ao menor de 18 anos, portanto, é absoluta. Absoluta,  mas forma alguma pétrea!

A norma constitucional, ao declarar a inimputabilidade penal do menor de 18 anos infrator, remetendo-o à submissão  a “normas da legislação especial”, não definiu um direito ou garantia individual e, sim, um critério de imputabilidade na hipótese de delito.

Direitos públicos subjetivos e direitos subjetivos públicos

A doutrina jurídica conceitua os chamados direitos individuais como direitos subjetivos.  No entanto, temos que diferenciar direitos públicos subjetivos  e direitos subjetivos públicos.

Os direitos públicos subjetivos são faculdades legal ou constitucionalmente conferidas às pessoas e ao Poder Público para o exercício de uma função jurídica, tais como o pátrio poder, o direito de  cumprir com o dever de exercer  autoridade,  o  direito  de  defender  coletivamente  o  meio  ambiente,  o  de exercer prerrogativa profissional,  etc.

Alguns direitos públicos subjetivos  encontram-se no rol dos  direitos e garantias individuais.  Porém,  nem  todos  os  direitos   públicos  subjetivos   constituem direitos   e   garantias   fundamentais.     Vários   deles  encontram-se,  inclusive, dispostos  em  regras  infra-constitucionais,  e  a  eles   aplica-se  a   proteção  da constituição  por   conexão,   enquanto   não   modificados   na   forma  da   lei  e de  acordo  com  os  princípios  gerais  aplicados  à  norma  -  um bom  exemplo é  o  direito  do  réu   receber  proposta de  acordo  para suspensão  do  processo em  ação  submetida  a  juizado  especial  penal,  no  caso  de  crimes  de  menor potencial ofensivo.

Já os direitos subjetivos  públicos são aqueles conferidos indistintamente pela Constituição Federal a todos.

Esses direitos dividem-se em:

a)      direitos da pessoa, que a protegem contra o arbítrio do Estado;

b)      direitos políticos, que permitem o exercício da cidadania;

c)      direitos sociais, que obrigam o Estado à prestação de serviços essenciais.

As  normas  definidoras desses direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Não dependem de ordenamento infraconstitucional, conforme define o art. 5º, § 1º , da Carta. São normas constitucionais de eficácia plena.

Os direitos e garantias individuais foram erigidos ao nível de cláusulas pétreas, vez que há uma limitação material explícita ao poder constituinte derivado de reforma – significa dizer, não podem ser objeto de deliberação por emenda.  São imodificáveis, conforme reza o art. 60, § 4 da Constituição Federal.

No entanto, o artigo 228, com todo o respeito, não configura um direito subjetivo público.  Não é uma garantia ou direito individual.

O disposto no artigo 228 da C.F. é regra de imputabilidade penal  com remissão a norma especial infraconstitucional que se aplica aos menores de 18 anos, por óbvio, apenas na hipótese de incorrerem na infração penal.

É um direito público subjetivo, se muito, não incluído no rol dos direitos e garantias fundamentais aos quais se sujeitam homens e mulheres de qualquer idade, credo, raça, cor, profissão ou origem social, pois que é “regra de imputabilidade, com remissão”.

É possível, portanto, rever a regra, e a Constituição Federal não é empecilho para que se proponha emenda modificativa do critério.

O pacto social pela mudança

A norma constitucional do artigo 228, é bem verdade, acelerou a feitura do chamado Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecendo medidas sócio-educativas como meio de submissão disciplinar do menor infrator – mesmo porque não se poderia mais deixar a sociedade brasileira, no final dos anos 80, à mercê da crescente marginalidade juvenil.

No entanto, tais medidas, é cediço, vêm sendo hoje aplicadas com desmazelo, desinteresse burocrático, falta de foco na figura do destinatário da norma, indiferença com relação ao conflito que se pretende resolver com a aplicação da medida… enfim, com aquela mesma postura aplicada no âmbito da implementação das sanções penais e sua execução, no mundo adulto, pelo trinômio Administração do Executivo – Ministério Público e Judiciário…

O resultado dessa asquerosa apatia implementadora, provinda de uma casta de entes burocráticos absolutamente descomprometidos com a realidade material focada pela própria norma, é a sensação de absoluta impunidade, experimentada pelos infratores e pela sociedade como um todo.

Doutor em filosofia pela Universidade de Nice e em teoria psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o professor André Martins Vilar de Carvalho diz ter a sensação de que tudo é feito hoje no País apenas para montar uma fachada que esconde nossos problemas mais profundos.

Isso é perigoso e “favorece junto a pessoas com menos estrutura psíquica a  ideia de que esta é uma terra de ninguém, onde tudo pode ser feito, inclusive crimes hediondos”, diz.

O professor sustenta que as psicopatias, embora individuais e independentes de formação ou classe social, relacionam-se inevitavelmente ao descaso persistente com a primeira infância em nosso país.

Esse cuidado, por óbvio, não irá se dar com a aplicação de medidas sócio educativas ao adolescente homicida que ateou fogo à uma vítima indefesa, ao psicopata adolescente que  estuprou e matou a adolescente que havia acampado com seu namorado ou mesmo ao covarde assassino que atirou na cabeça da vítima indefesa que lhe havia dado a carteira sem resistir…

O Professor Leon Frejda Szklarowsky,  em recente artigo chamado “O Menor Delinqüente”, opina que “não se justifica que o menor de 18 anos e maior de 14 anos possa cometer os delitos mais hediondos e graves, nada lhe acontecendo senão a simples sujeição às normas da legislação especial”. Alega ele que “vale dizer: punição zero”.

O Desembargador brasiliense Hermenegildo Gonçalves, no Jornal de Brasília, lembra que a delinquência juvenil é um dos maiores problemas no Brasil “porque o Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua brandura, é um incentivo ao crime, pela impunidade”.

O Brasil vive, de fato, uma espécie de capitalismo desenvolvimentista selvagem. O Estado Brasileiro, incentivador dessa selvageria a qualquer preço, não quer saber de gastar dinheiro com o social, a menos que isso possa ampliar a base de consumo – razão de ser de programas inclusivos importantes mas, confessadamente consumistas, como o Bolsa-Família.

O fato é que o  Brasil  possui um esgarçamento social muito próximo de um sério rompimento.

A  hipocrisia oficial, por outro lado, não permite que se construa um pacto social. Não existe um discurso de construção de fato de um país para todos.

O que existe e, mais triste ainda, é admitido pelo Poder Público, são interesses individuais ou de pequenos grupos mesquinhos, mas não uma disposição de pensar o coletivo.  Como disse o professor Martins, já citado, “a ideia do ‘cada um puxa a sardinha para seu lado’ está legitimada socialmente no Brasil”.

A ação pela redução da maioridade penal, no Brasil, portanto, é fruto dessa tentativa de refazer o pacto social. Não se pode constitucionalmente ignorar isso, em qualquer hipótese.

O Brasil, ao lado da Colombia e do Perú (que se inspiraram em nós para reproduzir essa bobagem) forma um bloco solitário no mundo todo, que instituiu esse tipo de vedação constitucional á imputabilidade penal aos 18 anos. Não merece ser citado, portanto, como exemplo, nem por exceção…

Outrossim, a inimputabilidade penal do menor,  hoje absoluta, poderia de há muito ter sido relativizada.

Advogo que deveria se introduzir mecanismo similar à imputação de responsabilidade penal para o índio – sujeito à análise técnica, interdisciplinar, para se saber em que medida o silvícola praticante de um delito tipificado em nosso Código Penal teria consciência da ilicitude praticada e capacidade cultural para entender e se comportar de acordo com o esperado. Só então, de posse dessa avaliação, pode o magistrado decidir a pena e forma de cumprimento.

Esse mecanismo já foi sugerido no Congresso Nacional em legislaturas passadas, por pelo menos dois senadores. Deveria ser reanalisado, deixando-se de lado um entendimento malicioso e ardiloso que visa confundir garantias individuais conferidas ao cidadão, com regras de imputabilidade penal garantidas ao infrator.

Conclusão

Essa confusão é a mesma que leva muitos “bananas” governamentais a confundir “direitos humanos” com o chamado “direito dos manos”… razão pela qual, deixando o trocadilho de lado:

1- Está na hora  de resgatar o direito e a dignidade em todo esse debate.

2- É possível alterar a regra para conferir imputabilidade penal ao menor infrator.

3- É possível relativizar a imputabilidade, instituindo mecanismo de aferição individual a ser observado caso a caso pelo magistrado julgador.

4- É possível restabelecer a Ordem e combater a sensação de impunidade hoje sentida em toda a sociedade.

5- É necessário combater a hipocrisia oficial e buscar a verdade constitucional das garantias fundamentais do cidadão!

Por fim, é preciso revermos conceitos para resgatar o pacto social brasileiro e enfrentarmos nossos problemas com coragem e determinação.

Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista em Direito Ambiental, consultor do Banco Mundial e membro do Comitê de Energia e Desenvolvimento Sustentável e da ICC Green Economy Task Force, da Câmara de Comércio Internacional.

Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2013.

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