terça-feira, 6 de maio de 2014

Conheça o Juiz Evandro Pelarin, defensor da Redução da Maioridade Penal


Durante oito anos, menores de 18 anos eram proibidos de circular sozinhos após as 23 horas por Fernandópolis, cidade da região de Rio Preto. Muito menos era permitido o acesso a bares e boates com disposição de bebidas alcoólicas e potencial circulação de drogas e outras situações que pudessem colocar em risco a integridade desses jovens. 

É claro que muitos adolescentes torceram o nariz. Já os pais e outras autoridades locais apoiaram a decisão, que vigorava por meio de uma portaria, e acabou servindo de exemplo para outras cidades do país. Os resultados foram positivos, diminuindo consideravelmente as ocorrências policiais envolvendo adolescentes. 

Em meados do ano passado, porém, o toque de acolher acabou perdendo sua validade após uma decisão do Supremo Tribunal Federal. O autor dessa iniciativa não se frustrou, muito pelo contrário. Já está à frente da formulação do projeto “Cidade Responsável”, um convênio para prevenção de riscos a menores. “Não pode haver frustração quando se trabalha com afinco, dedicando-se ao máximo, com resultados expressivos para o bem da comunidade”, diz ele ao Diário. 

O entrevistado ingressou na magistratura ainda bem jovem, tornando-se juiz de Direito aos 24 anos, após graduação na Unesp de Franca. Filho de um empresário e de uma advogada, ele é pai de dois filhos, aos quais pretende repassar os ensinamentos que recebeu de seus genitores, como ouvir o próximo e nunca desprezar ninguém. 

Aos 41 anos, o juiz Evandro Pelarin é um dos mais atuantes na região de Rio Preto, representando a Vara da Infância e Juventude de Fernandópolis. Em sua entrevista ao Diário, ele revela sua paixão por esportes, a dedicação em cumprir seu papel como profissional e cidadão, sua opinião sobre o envolvimento cada vez mais cedo de jovens com as drogas, a defesa em diminuir a redução da idade penal para crimes hediondos, entre outros assuntos. Acompanhe.

Diário da Região - O senhor sabia desde o início que queria ser um magistrado? 
Evandro Pelarin - Não. Durante a faculdade me dediquei aos estudos sem idealizar qualquer profissão. Depois, a magistratura “aconteceu”. 

Diário - O senhor é religioso? Há postagens nas suas redes sociais sobre o Papa, Dom Odílio, e que frequenta missas... 
Pelarin - Sou católico. Vou às missas e acompanho de perto os chefes de minha Igreja, leio o que eles escrevem. Aprendo muito com os Papas. Francisco é um revolucionário e Bento 16 um dos maiores intelectuais vivos do mundo. Dom Odílio, um pastor. 

Diário - O Palmeiras é seu time do coração, dividindo espaço com o FFC, equipe de Fernandópolis. E também gosta de futebol americano. Como é o Evandro Pelarin torcedor? 
Pelarin - Curto esportes em geral. Dias atrás, fiquei “ligado” no Aberto (de tênis) da Austrália, torcendo pelo (Rafael) Nadal, que perdeu a final. Também sigo a NFL (Liga Nacional de Futebol Americano) há alguns anos. É um esporte fantástico, e torço pelo SF 49ers, mas eles ficaram de fora do Super Bowl (final da NFL). Aliás, o que valeu do Super Bowl deste ano foi a “pancada” (risos) do Red Hot no intervalo, porque o jogo foi decepcionante. Recomecei a NBA (Liga de Basquete Americana), pois, ainda moleque, via na televisão quase todos os jogos do Chicago, por causa do Michael Jordan. Em Franca, ia ao “Pedrocão”, o poliesportivo, para assistir aos jogos de basquete, que acho um esporte vibrante. Agora, depois de alguns tropeços, a NBA voltou para arrebentar, e tento acompanhar os jogos do Heat por causa do LeBron James. Também gravo corridas da Fórmula 1 e Nascar. Aliás, as transmissões da Nascar pela Fox (canal fechado) são exuberantes. Um show! Melhores que as da F1. Ano passado acompanhei o Le Tour de France, pela ESPN. Sem as maracutaias do dopping, é um grande esporte também. X-Games, então... Aquela molecada do skate e das bikes é sensacional, de tirar o fôlego! No futebol, chego a gravar as “mesas redondas” de vários canais, só para ouvir a “cornetagem” (risos). Aqui, em Fernandópolis, vou sempre ao estádio para ver o FFC. Aliás, tenho uma carteirinha de sócio-torcedor do “Fefa”. E sobre o Palmeiras, aí eu não teria espaço suficiente aqui para falar sobre meu time do coração. 

Diário - Está otimista com a seleção brasileira para a Copa do Mundo? Assistirá a algum jogo nos estágios? 
Pelarin - Sim, creio que ganharemos esta Copa. Mas não vou a nenhum jogo da seleção nos estádios. Para sair daqui, só se for para ver o Palmeiras. 

Diário - Tem esperança que será possível concluir as obras de todos os estádios a tempo da Copa? O que sente ao pensar que muito dinheiro já foi desviado nessas construções? 
Pelarin - Pelo que leio nos jornais, vão faltar algumas coisas. Sobre os gastos de dinheiro público em estádios nababescos para se fazer três jogos da Copa e, depois, “sabe-se lá o que vai ter”, como em algumas capitais, acho que foi um erro que, agora, está alimentando a revolta de muitos brasileiros. Não é errado ter Copa no Brasil. Eu fiquei feliz quando a Fifa nos escolheu. Errado é não aproveitar estádios existentes e ainda construir outros em lugares sem demanda de competições, mas não se discutiu isso a fundo antes. 

Diário - Mais de 10 mil pessoas o seguem no Facebook e seu perfil pessoal foi transformado em uma página pública. A que deve sua popularidade nessa rede social? 
Pelarin - Talvez o fato de eu gostar muito de conversar com as pessoas e responder a todos os que entram em contato comigo. 

Diário - O senhor é um cidadão muito atuante em Fernandópolis e participa de muitas ações sociais. Como vê seu papel de figura pública, sendo juiz, estando envolvido em campanhas e mudanças locais? 
Pelarin - O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também prescreve que nos cabe “mobilizar a sociedade” para o sadio crescimento das crianças e adolescentes. Claro que gosto de servir à sociedade, como cidadão comum que sou, mas também tento cumprir o que a lei manda, pela minha profissão. 

Diário - O toque de acolher conseguiu resultados positivos durante sua vigência em Fernandópolis e virou exemplo para outros municípios, mas acabou sendo derrubado pelo Supremo Tribunal de Justiça. Houve algum tipo de frustração? 
Pelarin - Nenhuma frustração. Durante quase sete anos, trabalhei intensamente com esta medida ao lado de profissionais extraordinários. Aprendi muito com o que vi, em madrugadas no Conselho Tutelar. Dramas humanos terríveis, principalmente, envolvendo menores com drogas que tirávamos das ruas e encaminhávamos imediatamente a tratamentos. Conseguimos reduzir crimes cometidos por menores a números realmente impressionantes. Em 2011, tivemos que mandar quatro menores para a Fundação Casa, durante o ano inteiro, em internação final. Com o fim do toque de acolher, em 2013, infelizmente, 68 menores foram apreendidos só pela Polícia Militar. 

Diário - Então está satisfeito... 
Pelarin - Não pode haver frustração quando se trabalha com afinco, dedicando-se ao máximo, com resultados expressivos para o bem da comunidade. Ainda mais porque trabalhei com equipes fantásticas do Conselho e das Polícias Civil e Militar. Contudo, outras autoridades impugnaram nosso trabalho, argumentando que estávamos errados ao regular horário para menores desacompanhados nas ruas e madrugadas e até nos acusaram de “abuso de poder”. Ainda que eu não concorde com o que os ministros de Brasília decidiram sobre Fernandópo-lis, extinguindo nosso trabalho, não me cabe lamentar. Meu dever é continuar a trabalhar, com outros projetos e novas perspectivas. É o que estamos tentando fazer. Vamos seguir adiante com a mesma disposição porque vale muito a pena dedicar-se pela comunidade. 

Diário - E qual é o trabalho que tem sido feito na cidade hoje para evitar que jovens menores de 18 anos se exponham a situações de risco? Os pais têm apoiado? 
Pelarin - Estamos em fase final do projeto “Cidade Responsável”. É um convênio de prevenção de riscos a menores, firmado com uma grande associação de nível nacional, aprovado formalmente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Depois levamos o projeto até a Presidência e argumentamos sua viabilidade. Por ora, do que dá para dizer, é que temos mapeados todos os pontos de venda de bebidas alcoólicas, todos mesmo, mais precisamente 405 na cidade inteira. Em março, o Ibope começa uma ampla pesquisa na cidade com pais, filhos, professores e alunos para que tenhamos em mãos dados e diagnósticos precisos de nossa cidade na área da infância e juventude. Além disso, uma legislação municipal toda nova, que começou este ano, que proíbe o consumo público de bebidas, assim como em muitas cidades nos Estados Unidos, e prevê multas a quem desrespeitar a lei, bem como regular horário de bares e lanchonetes. Também as polícias estão agindo ainda mais firmes e, pela atividade delegada, iniciada em fevereiro, a Polícia Militar intensificou o combate aos pequenos delitos, em uma espécie de “tolerância zero” mesmo, a começar com infrações de trânsito. Fernandópolis já é a primeira cidade na região no índice de responsabilidade social do governo do Estado, em grande parte pela redução da criminalidade, e ocupa a 50ª em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no país, igualando-se a Rio Preto e, em breve, com o programa “Cidade Responsável”, esperamos avançar ainda mais. E este não é um projeto do Poder Judiciário apenas, mas um projeto da sociedade como um todo.

Diário - Drogas. Por que acha que o consumo está tomando proporções maiores, especialmente entre menores? 
Pelarin - Porque a cultura do consumo das drogas lícitas e ilícitas, especialmente as ilícitas, que prega o prazer físico como fundamento (quase único) da felicidade humana, cresceu no mundo inteiro e, no Brasil, ganhou um fermento especial em muitos setores da comunicação social, principalmente na televisão aberta e nas universidades. Já se fala muito em direito à felicidade, onde, além das drogas, o prazer sexual também é um elemento essencial. Tanto que até a lei brasileira, a lei do Sinase, veio para autorizar expressamente o relacionamento sexual de adolescentes dentro de unidades de internação de menores, na Fundação Casa, a tal “visita íntima”, embora outra lei, o Código Penal, taxe como crime hediondo, pedofilia, o relacionamento de menores de 14 anos. Ou seja, se uma lei vem para valorizar relacionamento sexual entre menores de 18 anos, em nome do tal direito à felicidade, e até se dispondo a se chocar com outra lei que taxa determinados relacionamentos, como pedofilia, defender o consumo de drogas, até para menores de 18, segue a mesma lógica. Essa discussão, ressalte-se, está em nível de legislação, que é um plano formal. No plano social e ideológico, informal, músicas, artes em geral, a defesa da liberação das drogas está muito mais avançada, inclusive para menores de 18 anos. Esse é o desenho de nossa situação, que proporciona uma sensação de “liberou geral” em nome de um direito sublime, a felicidade. Não é difícil entender, portanto, como as drogas lícitas e ilícitas estão se espalhando. Ocorre que, assim como o sexo irresponsável, o consumo de drogas, ainda mais por menores, no fundo, pode trazer uma infelicidade, talvez irreversível. 

Diário - Não é contraditório um juiz da Vara da Infância e Juventude defender a redução da idade penal? Quais são seus principais argumentos para sustentar essa "bandeira"? 
Pelarin - A lei penal busca estimular as mais altas responsabilidades das pessoas (não matar, não roubar, não estuprar) mediante ameaça de uma séria penalização aos irresponsáveis, a cadeia. A lei, claro, não é o único instrumento social para estimular e regular a convivência pacífica das pessoas e prevenir o crime. Mas a lei é um mecanismo importante sim. Por exemplo, suprima-se, por um dia, alguns pontos da lei em Rio Preto, desligando todos os semáforos. Dá para imaginar o que pode acontecer? Seria absurdo prever um relativo caos? Façamos o mesmo exercício hipotético em sentido contrário, com leis mais rigorosas, mas, obviamente, dentro de uma proporcionalidade que não signifique coerção e supressão total da liberdade. Dá para supor que as pessoas passarão a ser mais responsáveis ou não? Há inúmeros exemplos de leis mais rigorosas, e com combate efetivo à impunidade, que fizeram a criminalidade desabar. Modestamente, o nosso toque de acolher em Fernandópolis pode ser um parâmetro desse dado concreto. Nesses termos, defender a responsabilidade penal para pessoas com 16 anos para crimes graves, hediondos, quando a maturidade psicológica é uma realidade, devido em grande parte à intensificação da informação pela internet, não é contraditório a um juiz da infância. Até porque não é contraditório a ninguém defender maior responsabilidade das pessoas, com máximo respeito aos nossos bens mais preciosos, como a vida e integridade física e sexual. 

Diário - E se o alvo de criminosos, que usam menores para seus crimes, principalmente o de tráfico de drogas, recair em adolescentes ainda mais novos? Como reprimi-los adequadamente? 
Pelarin - Creio que podemos admitir, consensualmente, pela realidade da formação física e psicológica, que crianças e até muitos adolescentes em fase inicial, 12 anos, por exemplo, até porque ainda mantêm estreita necessidade dos pais e estão ligados a eles, não estão no mesmo patamar de adolescentes de 16 anos, cuja fase de formação invoca exatamente o desligamento dos pais e a adaptação a um mundo exterior ao lar. Portanto, em sua assertiva, não podemos dizer que diminuindo a idade penal e reprimindo adolescentes infratores com mais de 16 anos poderíamos chegar a uma incerteza de qual idade decairíamos ainda mais. É possível estabelecer uma idade mínima de responsabilidade penal que, hoje, pelo que se vê, não é a idade de 18 anos. Haja vista a experiência comparativa da imensa maioria nas maiores democracias ocidentais do mundo, quantitativamente, EUA e vários países europeus, que fixam idades mínimas para punição penal em torno dos 15 anos, em média, para quase todos os crimes, sem que necessitem reduzir ainda mais a idade penal. 

Diário - O senhor critica a legislação prisional e afirma que não vê interesse político em uma reforma. O que aconteceu, por exemplo, nos presídios do Maranhão é só uma amostra mais evidente do abandono nesse setor? 
Pelarin - Eu não entendo que presos devam ser tratados como hóspedes de um hotel. Mas, por outro lado, ainda que para os piores criminosos, também não concordo que devam ser tratados como porcos, ou piores que isso, como em muitos presídios brasileiros. Mas como nem punimos direito quem deveria receber punição, pois a impunidade no Brasil é absurda, a lógica aponta para a inexistência de condições adequadas de punição para quem já está no sistema. Isso para mim tem toda a ligação. Nosso forte não é mesmo punir adequadamente quem comete crimes, infelizmente, em todos os sentidos. 

Diário - Dos milhares de casos que já atendeu, qual foi a história familiar que mais tocou o senhor? 
Pelarin - Não sei dizer. Nunca um caso é igual a outro. Talvez o caso da menina Rafa, com paralisia cerebral, cuja mãe, dependente de crack, tomou abortivo, seja um dos mais dramáticos. A Rafa lutou pela vida, ainda como feto indefeso, e veio ao mundo para mostrar que a vida é o maior valor que temos. Coloquei a história da Rafa em minha página no Facebook e é de arrepiar. 

Diário - Hoje, qual é seu principal desejo como juiz e cidadão? 
Pelarin - Para escolher um, o principal seria que o ensino fundamental e médio do país mudasse radicalmente, com ideias meritocráticas, pesados investimentos na formação e remuneração de professores, entre outras medidas. Só uma revolução educacional verdadeiramente poderá ser a alavanca para mudar este país em todas as outras áreas. A educação é o caminho da mudança.


Fonte: Diário da Região
http://www.diarioweb.com.br/novoportal/divirtase/Comportamento

Imagem: Lézio Júnior/Editoria de Arte

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